Ambulatório de Dermatologia do H0spital Universitário Walter CantidioEu não vou falar da parte teórica da doença porque eu nunca pesquisei ou estudei nada sobre ela, só sei que sou portador há 10 anos dessa patologia e vou contar o que aprendi sentindo literalmente a dor na própria pele.
O Pênfigos é uma doença rara e crónica que enfraquece o sistema imunológico, essa foi uma das respostas que ouvi no Hospital Walter
Cantidio (Hospital das
Clinicas) em Fortaleza logo que lá cheguei no no inicio de 2002 para começar o tratamento de várias lesões que eu tinha pelo corpo. Eu nunca tinha ouvido falar esse nome e jamais imaginaria que uma doença desse tipo viesse a se abater sobre mim, mas tive a sorte e o desprazer de ter que conviver com ela pelo resto da vida,
desprazer porque o
Pênfigos é uma doença terrível , que ataca a mucosa oral com bolhas, a pele em quase todo o corpo, principalmente
a façe, o torax e o
couro cabeludo, alêm de abalos emocionais e problemas
psicologicos terriveis,
sorte em ser portador dessa patologia é porque o sofrimento é tanto que eu achava que se conseguisse suportar todos os momentos dolorosos que ela causa, eu teria poder para parar uma guerra e mudar o mundo, mas isso são delírios e devaneios que agente encontra quando o sofrimento é muito intenso, e agente quer um pouco de alivio para amenizar a dor, até porque o máximo que agente consegue depois de vencer a fase aguda da doença é acreditar que tudo é possível e que nenhuma dor que vier a sentir pela frente será maior do que a que já sentiu no passado, alem da capacidade que adquirimos de conhecer todos os sentimentos, sejam eles bons ou ruins,
como a saudade, o abandono, a magoa, a solidariedade, o medo, a esperança, o desprezo, o ódio, o amor, a angustia, a fé e uma dor profunda na alma, todos esses sentimentos eu senti durante anos, e me capacitei para saber entender quando a dor estiver em outra pessoa, e antes de
julga-la, procurar ver os motivos que levaram a desenvolver esse sentimento seja ele qual for,
também tive a sorte de encontrar um hospital capacitado com médicos interessados e
flexíveis, que tomam a luta como desafio, mais que
também tem muito respeito pelo ser humano e que estão sempre dispostos a dividir com o paciente essa guerra. Porem a cura ou simplesmente o bem- estar dessas patologias não está só na boa vontade ou na capacidade do médico, eu tive que me adaptar ao
Pênfigos abrindo mão de vários anos da minha vida, para tentar depois ter uma vida com qualidade, claro que isso depende da visão de cada um, muitos não conseguem abrir mão de nada, e acabam
sucubindo diante dos traumas e das perdas, pois como eu falei todos os sentimentos estão presentes quando a dor é muito intensa, cabe agente saber usa-los a nosso favor, mesmo aqueles mais dolorosos como o ódio e a angustia, até porque quem sente a dor é que sabe o peso que ela tem.
Eu quando
adquiri essa patologia em 2001, eu temi por minha vida e por várias vezes senti a presença da morte, não pela
doença em si, mais pelas
dificuldades de médicos e do despreparo de Sobral para enfrentar patologias raras,
também pela má vontade de alguns
setores do
serviço publico que acham que seus cargos são mais importante do que o do prefeito. Eu confesso que me senti perdido quando apareceu os primeiros sintomas e eu não tinha para quem apelar, pois via meu corpo todo se decompor e tinha que suportar dores dilacerantes, levei 8 meses desde o surgimento das primeiras lesões até chegar no Hospital das
Clínicas, durante esse tempo fiquei vegetando sem encontrar
saída e sem saber a quem recorrer, vi algumas pessoas se afastarem de mim achando até que eu ia morrer e não queriam se comprometerem, talvez por medo e mais ainda por covardia, pois não se abandona um ser humano na
saúde e principalmente na
doença, mas tem
também pessoas que
trabalham no serviço publico com amor e respeito pelo próximo, e essa foi a minha sorte, pois encontrei 3 pessoas aqui em Sobral que praticamente salvaram a minha vida,
José Valdir Vidal, um amigo esclarecido,
Dona Alice, trabalhava no Serviço de Apoio ao Cidadão e
Dr. pessoa, Médico
Gastro em Sobral, e que me levou pessoalmente para o Hospital das
Clínicas para dar inicio ao tratamento.
Durante esses quase 10 anos de tratamento muitas coisas boas e ruins aconteceram,
adquiri novas patologias como o
diabetes, osteoporose, TB(tuberculose),
lesões nas cordas vocias, obesidade(posso fazer a dieta que fizer que os
corticoides não me deixam emagrecer),
síndrome do pânico e outras, isso tudo eu tive que enfrentar sozinho, pois nunca vi interesse de
ninguém da Secretaria da
Saude de Sobral, o que vi foi pessoas
dificultarem remédios e transportes, sem nunca procurar saber que doença é essa e o que eu poderia fazer para ajudar o
município sendo portador de uma doença rara e complicada, mas mesmo sozinho nunca desanimei, e procurei fazer a minha parte, não deixando que todo esse sofrimento fosse em vão, então procurei ver onde mesmo sozinho poderia ser
ultil,
comecei prestando serviço como
voluntario do
CVV(Centro de Valorização da Vida), onde ouvia as pessoas
atravez do desabafo e procurava entender a dor que elas sentia, pois por cada sentimentos que elas passavam eu já tinha passado, e assim ficava fácil entender a dor de cada um, procurei ajudar o
Posto de Saúde do bairro trabalhando como
voluntário no combate a dengue e nas reuniões dos idosos, passei a acompanhar e ajudar pessoas com
câncer terminal, mesmo sabendo que era
dificil achar a cura, procurava
proporcionar um pouco de qualidade de vida ao paciente para que não sentisse dor, nem dificuldades com medicamentos e não se sentissem sozinhos, pois aqui em Sobral ter
Neoplasia Maligna com
Metástase é ser condenado a morte e ao abandono, procurei ouvir as pessoas na rua, em casa, no radio, nos hospitais e em qualquer lugar, para ver se com minha
experiência em sofrimento eu saberia entender o sofrimento de cada um, fiz parte de
Associações, de
Conselho Municipal de Saúde, acreditei que poderia ganhar
eleição para vereador sem dinheiro, sem comprar
ninguém, sem me vender e sem prometer o que eu não podia cumprir, queria era conseguir um mandato para facilitar o meu trabalho em prol da
saúde e
proporcionar ajuda aquelas pessoas que são
excluídas pela sociedade e que ficam 3 meses esperando por exames, 1 ano por uma consulta e vários anos por uma cirurgia, mas ter que fazer tratamento em Fortaleza, viajando quase duas vezes por mês, em algumas dessas viagens sem dinheiro contando apenas com o apoio dos amigos de Fortaleza, faz com que esse trabalho seja se torne muito
difícil, e por muitas vezes eu chegue quase a desistir, mas sei que quando a luta é longa, muitas pessoas desistem pelo caminho, algumas até nem querem começar, mais quem sente a dor nunca pode se
cansar nem desistir, as vezes quero sentir o peso do fardo e achar que tá pesando muito, mas me lembro do começo
à 10 anos
atrás, quando tudo era escuridão e
incertezas, e vejo que hoje eu tenho vida, e vida plena, eu percebo que nada hoje será mais
difícil do que o que eu já passei, o que me entristece é que 10 anos depois eu continuo sozinho enfrentando essa guerra, pois as dificuldades com medicamentos e transportes são as mesmas, o desinteresse da Secretaria de
Saúde é o mesmo e as
consequências da doença
também continuam as mesmas.
Existem vários tipos de
Pênfigos, entre eles o
Foliáceo, o Vejetante, e o Vulgar, que é do qual sou portador, todos eles são complicados porque atacam a camada da pele provocando lesões
erosadas por todo o corpo, mais já ouvi falar no hospital que o
Vulgar é o pior de todos, acho até que o nome já diz tudo, então o que quero com esse relato não é pena nem compaixão de
ninguém, até porque nesses dez anos de luta foram mais de 10 internações, 4 cirurgias nas cordas vocais, mais de 200 entradas no hospital para consultas e revisões, e tudo isso eu fiz sozinho, hoje o que quero é o compromisso dos
órgãos de
saúde de Sobral para que essa luta não seja só minha e para que não termine antes do tempo.
As vezes me acho um vencedor, mesmo sem ter
património financeiro, mais por ter muitos amigos e ter vencido 10 anos dessa batalha, não sei até onde terei forças para continuar lutando, pois em 2010 eu passei boa parte do ano dentro do hospital, com 2 internações e uma cirurgia, com consultas na Dermatologia, na Infectologia, na Otorrino, na Endocro e tenho encaminhamentos para a Gastro e para a Psiquiatria. Para algumas pessoas eu sou um heroi, prá mim heroi é quem salva a vida de alguem, salvar a propria vida é dever de cada um.