Eu não vou falar da parte
teórica da doença porque eu nunca pesquisei ou estudei nada sobre ela, só sei
que sou portador há 14 anos dessa patologia e vou contar o que aprendi sentindo
literalmente a dor na própria pele.
O PÊNFIGO é uma doença rara e crônica que
enfraquece o sistema imunológico, essa foi uma das respostas que ouvi no
Hospital Universitário Walter Cantidio (Hospital das Clinicas) em Fortaleza
logo que lá cheguei no inicio de 2002 para começar o tratamento de várias
lesões que eu tinha pelo corpo. Eu nunca tinha ouvido falar esse nome e jamais
imaginaria que uma doença desse tipo viesse a se abater sobre mim, mas tive a
SORTE e o DESPRAZER de ter que conviver com ela pelo resto da vida, DESPRAZER
porque o Pênfigo é uma doença terrível, que ataca a mucosa oral com bolhas, a
pele em quase todo o corpo, principalmente a face, o tórax e o couro cabeludo,
além de abalos emocionais e problemas psicológicos terríveis, SORTE em ser
portador dessa patologia porque o sofrimento é tanto que eu achava que se
conseguisse suportar todos os momentos dolorosos que ela causa, eu teria poder
para parar uma guerra e mudar o mundo, mas isso são delírios e devaneios que
agente encontra quando o sofrimento é muito intenso, e agente quer um pouco de
alivio para amenizar a dor, até porque o máximo que agente consegue depois de
vencer a fase aguda da doença é acreditar que tudo é possível e que nenhuma dor
que vier a sentir pela frente, será maior do que a que já sentiu no passado,
alem da capacidade que adquirimos de conhecer todos os sentimentos, sejam eles
bons ou ruins, como a saudade, o abandono, a magoa, a solidariedade, o medo, a
esperança, o desprezo, o ódio, o amor, a angustia, a fé e uma dor profunda na
alma. Todos esses sentimentos eu senti durante anos, e me capacitei para saber
entender quando a dor estiver em outra pessoa, e antes de julgá-la, procurar
ver os motivos que levaram a desenvolver esse sentimento seja ele qual for,
também tive a sorte de encontrar um hospital capacitado com médicos
interessados e flexíveis, que tomam a luta como desafio, mais que também tem
muito respeito pelo ser humano e que estão sempre dispostos a dividir com o
paciente essa guerra. Porem a cura ou simplesmente o bem- estar dessas
patologias não está só na boa vontade ou na capacidade do médico, eu tive que
me adaptar ao Pênfigo abrindo mão de vários anos da minha vida, para tentar
depois ter uma vida com qualidade, claro que isso depende da visão de cada um,
muitos não conseguem abrir mão de nada, e acabam sucumbindo diante dos traumas
e das perdas, pois todos os sentimentos estão presentes quando a dor é muito
intensa, cabe agente saber usá-los a nosso favor, mesmo aqueles mais dolorosos
como o ódio e a angustia, até porque quem sente a dor é que sabe o peso que ela
tem.
Eu quando adquiri essa
patologia em 2001, eu temi por minha vida e por várias vezes senti a presença
da morte, não pela doença em si, mais pelas dificuldades de médicos e do
despreparo de Sobral para enfrentar patologias raras. Eu confesso que me senti
perdido quando apareceram os primeiros sintomas e eu não tinha para quem
apelar, pois via meu corpo todo se decompor e tinha que suportar dores
dilacerantes, levei 8 meses desde o surgimento das primeiras lesões até chegar
no Hospital das Clínicas, durante esse tempo fiquei vegetando sem encontrar
saída e sem saber a quem recorrer, mas tem pessoas que trabalham no serviço
publico com amor e respeito pelo próximo, e essa foi a minha sorte, pois
encontrei 3 pessoas aqui em Sobral que praticamente salvaram a minha vida, José
Valdir Vidal, um amigo esclarecido, Dona Alice, trabalhava no Serviço de Apoio
ao Cidadão e Dr. pessoa, (falecido recentemente) Médico Gastro em Sobral, e que
me levou pessoalmente para o (HUWC) Hospital das Clínicas para dar inicio ao
tratamento.
Durante esses quase 14 anos
de tratamento muitas coisas boas e ruins aconteceram, adquiri novas patologias
como o Diabetes, Osteoporose, TB(Tuberculose), Lesões nas cordas vocais, Obesidade(posso fazer a dieta que fizer que os corticóides não me deixam
emagrecer), Síndrome do Pânico, 3 ANOS DE DEPRESSÃO AGUDA, e agora CÂNCER DE LARINGE E TIREOIDE, além de problema no coração e outras patologias.
mas mesmo lutando sozinho nunca desanimei, e procurei fazer a minha parte, não
deixando que todo esse sofrimento fosse em vão, então procurei ver onde poderia
ser útil, comecei prestando serviço como voluntario do CVV(Centro de Valorização
da Vida), onde ouvia as pessoas através do desabafo e procurava entender a dor
que elas sentiam, pois por cada sentimentos que elas passavam eu já tinha
passado, e assim ficava fácil entender a dor de cada um, procurei ajudar o
Posto de Saúde do bairro trabalhando como voluntário no combate a dengue e nas
reuniões dos idosos, passei a acompanhar e ajudar pessoas com câncer terminal,
mesmo sabendo que era difícil achar a cura, procurava proporcionar um pouco de
qualidade de vida ao paciente para que não sentisse dor, nem dificuldades com
medicamentos e não se sentissem sozinhos, pois para muita gente ter Neoplasia
Maligna com Metástase é ser condenado a morte e ao abandono, e isso eu podia
mudar porque conhecia de perto a dor e o sofrimento. Procurei ouvir as pessoas
na rua, em casa, no radio, nos hospitais e em qualquer lugar, para ver se com
minha experiência em sofrimento eu saberia entender o sofrimento de cada um.
Fiz parte de Associações, de Conselho Municipal de Saúde, acreditei que poderia
ganhar eleição para vereador sem dinheiro, sem comprar ninguém, sem me vender e
sem prometer o que eu não podia cumprir, queria era conseguir um mandato para
facilitar o meu trabalho em prol da saúde e proporcionar ajuda aquelas pessoas
que são excluídas pela sociedade e que ficam 3 meses esperando por exames, 1
ano por uma consulta e vários anos por uma cirurgia. Ter que fazer tratamento
em Fortaleza, viajando duas vezes por mês, em algumas dessas viagens sem
dinheiro contando apenas com o apoio dos amigos de Fortaleza, faziam com que
tudo fosse muito difícil, e por muitas vezes eu cheguei quase a desistir, mas
sei que quando a luta é longa, muitas pessoas desistem pelo caminho, algumas
até nem querem começar, mais quem sente a dor nunca pode se cansar nem desistir,
as vezes quero sentir o peso do fardo e achar que ta pesando muito, mas me
lembro do começo à 14 anos atrás, quando tudo era escuridão e incertezas, e
vejo que hoje eu tenho vida, e vida plena, eu percebo que nada hoje será mais
difícil do que o que eu já passei, o que me entristece é que 14 anos depois eu
continuo sozinho enfrentando essa guerra, pois as dificuldades são as mesmas, e
as conseqüências da doença também continuam as mesmas.
Existem vários tipos de
PÊNFIGO, entre eles o FOLIÁCEO, o VEGETANTE e o VULGAR, que é do qual sou
portador, todos eles são complicados porque atacam a camada da pele provocando
lesões erosadas por todo o corpo, mais já ouvi falar no hospital que o Vulgar é
o pior de todos, acho até que o nome já diz tudo, então o que quero com esse
relato não é pena nem compaixão de ninguém, até porque nesses 14 anos de luta
foram 16 internações, 5 cirurgias nas cordas vocais, mais de 300 entradas no
hospital para consultas, internações e revisões, e tudo isso eu fiz sozinho,
hoje o que quero é o compromisso dos órgãos de saúde de Sobral para que essa
luta não seja só minha e para que não termine antes do tempo.
Para enfrentar uma
patologia como o PÊNFIGO é necessário antes de tudo um hospital de referencia e
compromissado com o tratamento e a cura do paciente, eu fui um felizardo por
ter o Hospital Universitário Walter Cantidio
no meu caminho para ser meu ponto de apoio e equilíbrio nessa luta, pois
lá encontrei carinho e um quadro funcional capaz e comprometido com a cura e o
bem-estar do portador dessa terrível
patologia. Para sempre serei grato ao
HUWC.
As vezes me acho um
vencedor, mesmo sem ter patrimônio financeiro, mais por ter muitos amigos e ter
vencido 14 anos dessa batalha, não sei até onde terei forças para continuar
lutando, pois em 2013 eu passei boa parte do ano dentro do hospital, com 4
internações e 3 cirurgia, com consultas na Dermatologia, na Otorrino, na
Endocrinologia.. Para algumas pessoas eu sou um herói, pra mim herói é quem
salva a vida de alguém, salvar a própria vida é obrigação de cada um